Numa terra em que o teatro já foi rei é excelente descobrir que um grupo de jovens se está a dedicar de alma e coração a esta arte.
Por tal motivo, quisemos colocar ao seu orientador, Hermínio Marques, algumas questões. Leia a entrevista clindando em “Continuar a ler…”
1 – Como surgiu este grupo de jovens?
Este grupo surgiu da iniciativa dos amigos do meu filho João, que aos sábados à tarde andavam por aí e muitas vezes acabavam no meu sótão, onde eu estava normalmente a pintar ou a fazer outras coisas. Como é do conhecimento geral, todos eles trabalharam comigo quando eu organizei a festa de Natal do CBM em 2011 e o baile de Carnaval, e a conversa virava amiúde para essas realizações e para as boas recordações que eles tinham guardado.
Um dia perguntaram-me se eu os ajudava a ensaiar um sketch de “telebroeiros” ou outra coisa gira. No fundo, senti que ali havia gosto pelas artes do palco e vontade de fazer alguma coisa.
Como tinha um teatrinho que eu tinha escrito já há algum tempo, que se chamava precisamente “A Nova Barbearia”, procurei-o e disse-lhes que no próximo fim de semana podíamos começar. Durante a semana não houve dia algum em que o João não chegasse a casa a dizer-me que havia mais um ou dois que queriam entrar na brincadeira. Nesse sábado, tive mais de dez rapazes e raparigas no sótão.
A pequena “estória” da barbearia tinha de ser esticada para conseguir incluir todos, pois era impensável excluir fosse quem fosse. Telefonei à Mila Pacheco e lá a consegui convencer a colaborar e vir no sábado seguinte.
Durante a semana reescrevi o primeiro ato e delineei as personagens todas (as 10), mas no sábado já eram 13! Estipulámos que não podia haver mais personagens e durante a semana alterei o primeiro ato, criei novas personagens e ajustei a trama. Como sou um bocadinho supersticioso, decidi incluir mais um elemento e telefonei a convidá-lo. O elenco estava completo, 14 personagens e uma história banal, inverosímil e fantástica para acabar de escrever.
Depois disso, foi começar os ensaios de leitura e deixá-los escolher as personagens.
O tempo foi passando mas o entusiasmo era cada vez maior. Decidimos fazer um projeto e enviá-lo ao CBM para que nos apoiasse nessa iniciativa e nos cedesse o espaço para ensaios e posteriormente fazer a apresentação da peça. Entretanto, e como se tornava difícil fazer os ensaios no meu sótão, pedi a sala da Junta de Freguesia para conseguir continuar a trabalhar.
E eis a “estória” de um grupo de rapazes e raparigas, liderado por dois “cotas” que gostam de se meter nestas coisas. Agora é esperar para ver… e aplaudir, claro.
2 – Qual a sua faixa etária?
O mais novo tem 9 anos e é um dos grandes entusiastas da peça, o nosso Benjamim. No outro extremo temos um elemento com 21 anos. Pelo meio, temos de tudo um pouco. Penso que neste caso, o importante é a vontade de participar numa atividade como o teatro. Dentro dos ensaios, temos todos a mesma idade.
3- Tem sido fácil liderar o grupo, tendo em conta a personalidade e rebeldia própria desta idade?
Eu não gosto de usar a palavra “liderar”. Entendo mais como um trabalho de equipa, onde tanto eu como a Mila tentamos apenas mantê-los no rumo certo. Por vezes, temos de os chamar à razão, o que é perfeitamente normal, mas tudo tem corrido de uma forma ordeira e organizada. No princípio, tivemos que mostrar algumas regras para que eles as pudessem assimilar, mas rapidamente deixou de ser necessário falar mais alto. Se eles “querem ser tratados como adultos, são tratados como tal, mas têm de se comportar em conformidade” (frase que eu repito muitas vezes nos ensaios).
Além disso, penso que somos vistos como “mais dois” e não como “os chefões ou lideres”, e isso agrada-me muito. Vou transcrever uma frase que uma das raparigas disse no ensaio passado: “Eu não conseguia dizer uma coisa destas à frente dos meus pais” e eu disse-lhe: “Mas eu tenho a idade da tua mãe” ao que ela respondeu: “Mas tu és um amigo, e estas coisas eu digo-as à frente dos meus amigos”.
4 – Quais os projetos que foram desenvolvidos até ao presente momento?
Até à data temos feito os respetivos ensaios e começámos há pouco a ter o apoio do Miguel Madeira, que vai ser o ponto. No próximo fim de semana já vamos ter a Cláudia que vai ser contrarregra. Estamos na fase de deixar completamente os papéis, para aperfeiçoar as posições. Já se consegue perceber perfeitamente a peça e gostaria de salientar o empenho que “o pessoal” continua a ter.
No domingo passado fizemos algumas gravações com as mães da componente de multimédia e brevemente faremos a segunda parte. Estamos confiantes que vamos ter a peça em palco para o início da segunda quinzena de Abril.
5 – Sabemos que está em marcha um novo projeto. Pode ser levantada uma ponta do véu…?
Bem… tenho outra peça escrita, tenho uma ideia inovadora para um dos espaços de Santo Varão, e ideias normalmente não faltam a esta malta. Muitas vezes eu lanço ideias e é vê-los a “inventarem estórias” e a desenvolverem situações, normalmente muito hilariantes. Basta “acender” o rastilho.
Mas este tipo de decisões são tomadas em conjunto com todos os envolvidos. Para já vamos tentar levar esta realização a bom porto e depois logo se verá.
6- Considera que este grupo tem futuro, atendendo à multiplicidade de solicitações menos saudáveis dos nossos dias?
Futuro na verdadeira acessão da palavra, não sei, mas prometo que vou continuar a lutar para dar a estes jovens objetivos para a ocupação de tempos livres, ajudando-os no que estiver ao meu alcance. Acima de tudo, vão ser eles a decidir se depois querem fazer mais alguma atividade comigo e com a Mila. Apenas podemos prometer que não seremos nós a virar as costas a “esta malta”.
Além disso, existem na terra instituições vocacionadas para isso, não queremos de modo nenhum sobrepor-nos a nada nem a ninguém mas também não os vamos abandonar. Vamos partilhando o dia a dia, porque futurologia não é o meu forte!
7 – Por último, quer deixar alguma mensagem a outros jovens menos recetivos?
Eu penso que não há jovens menos recetivos, é preciso é encontrar o sítio certo para os colocar e dar-lhes uma tarefa onde se sintam realizados.
Sempre tive a opinião de que todos somos úteis, apenas é necessário encontrar o “onde”. Se um treinador de futebol colocar um defesa como ponta de lança, além de não lhe aproveitar todo o potencial, vai mantê-lo a fazer uma tarefa para a qual não está vocacionado nem foi preparado, e isso é uma situação que eu tento evitar a todo o custo.
Neste caso, deixei para eles a tarefa de escolherem entre si as personagens que queriam fazer, chegando mesmo a fazer adaptações ao texto por sugestão dos próprios atores.
Tenho também a opinião que todos os jovens são sempre bem-vindos. Tenho a certeza que se houver uma próxima realização, esta equipa receberá de braços abertos todos aqueles que vierem por bem.